UNIVERSIDADE ESTADUAL DO SUDOESTE DA BAHIA - UESB
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS - DCHL
CURSO: PEDAGOGIA VI SEMESTRE
DOCENTE: MARIA DA CONCEIÇÃO ALVES FERREIRA
DISCENTE: ADRIANA SANTOS FERNANDES
MENDONÇA, Onaide Schwartz; MENDONÇA, Olympio Correa de.
Psicogênese da Língua Escrita: contribuições, equívocos e consequências para a
alfabetização. In: UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA. Pró-Reitoria de Graduação.
Caderno de formação: formação de professores: Bloco 02: Didática dos conteúdos.
São Paulo: Cultura Acadêmica, 2011. v. 2. p. 36-57. (D16 - Conteúdo e Didática
de Alfabetização). Disponível em:
<http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/40138>. Acesso em: 02/12/15.
“Neste trabalho, pretendemos apresentar os resultados da pesquisa
“Psicogênese da língua escrita”, de Emília Ferreiro e Ana Teberosky, em seus
aspectos linguísticos, significativos à alfabetização, e demonstrar os
equívocos mais comuns advindos da interpretação desvirtuada dessa teoria, bem
como suas consequências.” (p.37)
“Ferreiro e Teberosky, psicolinguistas argentinas, iniciaram em
1974 uma investigação, partindo da concepção de que a aquisição do
conhecimento se baseia na atividade do sujeito em interação com o objeto de
conhecimento e demonstraram que a criança, já antes de chegar à escola, tem
ideias e faz hipóteses sobre o código escrito, descrevendo os estágios
linguísticos que percorre até a aquisição da leitura e da escrita.” (p.37)
“O analfabeto adulto, assim como as crianças, sabem, mesmo antes
de vir para a escola, que a escrita é um sistema de representação e fazem
hipóteses de como se dá tal representação. Entretanto, Fuck (1993, p. 40)
verifica: “Diferente das crianças, começamos a observar que o analfabetizando
(sic) adulto já superou o nível pré-silábico. Ele tem muito claro que se
escreve com letras e qual a função social da escrita, (mas esta é uma
observação ainda prematura).’” (p.38)
“Ferreiro e Teberosky (1986) desenvolvem também aspectos
propriamente linguísticos da Psicogênese da língua escrita, quando descrevem o
aprendiz formulando hipóteses a respeito do código, percorrendo um caminho que
pode ser representado nos níveis pré-silábico, silábico, silábico-alfabético,
alfabético. Essa construção, demonstra a pesquisa, segue uma linha regular,
organizada em três grandes períodos: 1º) o da distinção entre o modo de
representação icônica (imagens) ou não icônica (letras, números, sinais); 2º) o
da construção de formas de diferenciação, controle progressivo das variações
sobre o eixo qualitativo (variedade de grafias) e o eixo quantitativo
(quantidade de grafias). Esses dois períodos configuram a fase pré-linguística
ou pré-silábica; 3º) o da fonetização da escrita, quando aparecem suas
atribuições de sonorização, iniciado pelo período silábico e terminando no
alfabético.” (p.38)
“No nível pré-silábico, em um primeiro momento, o aprendiz
pensa que pode escrever com desenhos, rabiscos, letras ou outros sinais
gráficos, imaginando que a palavra assim inscrita representa a coisa a que se
refere.” (p.39)
“Há um avanço, quando se percebe que a palavra escrita
representa não a coisa diretamente, mas o nome da coisa. Ao aprender as letras
que compõem o próprio nome, o aprendiz percebe que se escreve com letras que
são diferentes de desenhos. (p.39)
“Entretanto, ainda neste nível, mesmo após tomar
consciência de que se escreve com letras, o aprendiz tenderá a grafar um número
de letras, indiscriminado, sem antecipar quantos e quais caracteres precisará
usar para registrar palavras. Por exemplo, quando o professor pedir que escreva
gato, poderá escrever RARDICO, normalmente limitando-se a usar
apenas um pequeno inventário de letras, como as de seu nome (RICARDO, por
ex.), sem correspondência sonora alguma.” (p.39)
“Somente quando for questionado sobre a quantidade de vezes que
abrimos a boca para pronunciar determinada palavra é que o aluno começará a
antecipar a quantidade de letras que deverá registrar para escrever.
Neste momento, o aluno avança para o próximo nível de escrita, o silábico, sem
valor sonoro, pois de início, grafará uma letra para cada sílaba, entretanto,
seu registro não terá correspondência sonora. Para a palavra BONECA, poderá
grafar IOD, por exemplo.” (p.39)
“Assim, a passagem para o nível silábico é feita com
atividades de vinculação do discurso oral com o texto escrito, da palavra
escrita com a palavra falada. O aprendiz descobre que a palavra escrita
representa a palavra falada, acredita que basta grafar uma letra para se poder
pronunciar uma sílaba oral, mas só entrará para o nível silábico, com
correspondência sonora, à medida que seus registros apresentarem esta relação,
por exemplo, para MENINO grafar, MIO (M=me, I=ni, O=no), para GATO, GO (G=ga,
O=to), BEA (B=bo, E=ne, A=ca) para BO-NE-CA, e assim por diante.” (p.40)
“Diferentemente dos adultos, as crianças parecem passar pelas
fases pré-silábica e silábica, atingindo finalmente a alfabética. Nesse nível
alfabético, o aprendiz analisa na palavra suas vogais e consoantes.
Acredita que as palavras escritas devem representar as palavras faladas, com
correspondência absoluta de letras e sons. Já estão alfabetizados, porém terão
conflitos sérios, ao comparar sua escrita alfabética e espontânea com a escrita
ortográfica, em que se fala de um jeito e se escreve de outro.” (p.40)
“O referencial teórico da Psicogênese da língua escrita leva-nos a
entender que a escrita é uma reconstrução real e inteligente, com um sistema de
representação historicamente construído pela humanidade e pela criança que se alfabetiza,
embora não reinvente as letras e os números. A criança alfabetiza a si mesma e
inicia essa aprendizagem antes mesmo de entrar na escola, e seus efeitos
prolongam-se após a ação pedagógica, período durante o qual, para conhecer a
natureza da escrita, deve participar de atividades de produção e interpretação
escritas, tendo o professor o papel de mediador entre a criança e a escrita,
criando estratégias que propiciem o contato do aprendiz com esse objeto
social, para que possa pensar e agir sobre ele. A mediação do alfabetizador não
o desobriga de seu papel de informante sobre as convenções do código escrito.
Ele pode aproveitar o subsídio dos alfabetizados ou mesmo de alunos da classe
que estejam em níveis mais avançados de escrita e que possam ser informantes
das relações a serem descobertas pelos que se encontrem em fases de escrita
mais primitivas.” (p.41)
“A didática do nível pré-silábico visa, entre outras coisas, a que
a criança distinga imagem de texto, letras de números, e que estabeleça macro-
vinculações do que se pensa com o que se escreve, superando critérios do
pensamento intuitivo.” (p.42)
“Pode concluir-se com o pressuposto de que a alfabetização deve
ser significativa, isto é, contextualizada. Nesse sentido, o passo que caminha
da palavra escrita, tributária de um tema gerador globalizante, para a análise
das sílabas precisa ser precedido pela leitura do mundo ao redor, como propõe
Freire (1989, p. 11): “A leitura do mundo precede a leitura da palavra [...]’”
(43-44)
“Relevante é lembrar que, juntamente com as revelações de
Ferreiro e Teberosky, já descritas, foram divulgadas concepções que não eram
delas, mas geradoras de muitos equívocos, que inclusive lhes causaram muito
constrangimento. Essas concepções foram e continuam sendo divulgadas até hoje.
A seguir, relacionamos as principais consequências e orientações equivocadas
decorrentes da má interpretação da Psicogênese da língua escrita: Definição de
alfabetização - Alfabetização ou Letramento: a confusão inicial se deu por conta
da própria definição de alfabetização. Definir alfabetização e letramento é de
suma importância, pois são dois processos distintos e da sua compreensão
dependerão os resultados da alfabetização em sala de aula. Assim, compreender a
natureza de cada processo é essencial, pois só de posse desse conhecimento o
professor terá condições de decidir sua metodologia de ensino, em função dos
objetivos a serem alcançados.” (p.45)
“Alfabetização é o processo pelo qual se adquire o domínio de um
código e das habilidades de utilizá-lo para ler e escrever, ou seja: o domínio
da tecnologia – do conjunto de técnicas – para exercer a arte e ciência da
escrita.” (p.46)
“Quando o aluno lê, realiza a decodificação (decifração) de
sinais gráficos, transformando grafemas em fonemas; quando ele escreve,
codifica, transformando fonemas em grafemas. Esse é um aprendizado complexo,
que exige diferentes formas de raciocínio, envolvendo abstração e memorização.
A escrita é uma convenção e, portanto, precisa ser ensinada.” (p.46)
“Temos o Letramento, conceituado por Soares (2003b) da
seguinte forma:
Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da escrita
denomina-se letramento, que implica habilidades várias, tais como: capacidade
de ler ou escrever para atingir diferentes objetivos – para informar ou
informar-se, para interagir com outros, para imergir no imaginário, no
estético, para ampliar conhecimentos, para seduzir ou induzir, para
divertir-se, para orientar-se, para apoio à catarse...; habilidades de
interpretar e produzir diferentes tipos e gêneros de textos; habilidades de
orientar-se pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou de lançar mão
desses protocolos, ao escrever; atitudes de inserção efetiva no mundo da
escrita, tendo interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar a escrita
para encontrar ou fornecer informações e conhecimentos, escrevendo ou lendo de
forma diferenciada, segundo as circunstâncias, os objetos, o interlocutor”
(p.46)
“A definição de Soares demonstra que Letramento refere-se aos usos
de competências de leitura e de escrita por um indivíduo que já domina o
código. Alfabetização e Letra mento constituem, portanto, dois processos
diferentes, em termos de processos cognitivos e de produtos, porém
indissociáveis.” (p.46-47)
“O que se defende, quanto aos dois conceitos, é a
consciência de que não há necessidade de primeiro aprender a técnica, para
só depois dar início ao processo de letramento, bastando para tanto que, na
alfabetização, sejam utilizados textos veiculados socialmente, reais, e não
textos artificiais, como os da cartilha, que tinham como único objetivo a
fixação de sílabas trabalhadas por meio da palavra-chave.” (p.47)
“O professor trabalha letramento realizando leituras de diferentes
gêneros textuais aos alunos. Chamamos a atenção para os diferentes tipos de
textos, pois constatamos, hoje, o equívoco de que literatura infantil ou
infantojuvenil sejam sinônimos de letramento. Letrar é uma tarefa extremamente
ampla que, por definição, envolve habilidades múltiplas de ler, interpretar e
produzir textos adequados às exigências sociais. Assim, em princípio, tal
atividade engloba os mais diferentes gêneros textuais, portanto é atitude
ingênua pensar que, lendo apenas histórias infantis, poemas ou parlendas,
iremos letrar alguém.” (p.47)
“Ocorre que as atividades didáticas incentivadas pelos
intérpretes do construtivismo, sob a pretensão de contextualizar o trabalho,
fazendo o aluno aprender “em contato com o objeto de conhecimento”, na
realidade são estratégias de letramento e não de alfabetização. Se os proponentes
de tais atividades tivessem conhecimentos linguísticos, saberiam disto. A
pseudoleitura (fingir que se lê), a leitura de diferentes suportes de texto, o
pedido para que os alunos recontem o que foi lido e ajudem o professor a montar
um texto na lousa são atividades de letramento e não de alfabetização.” (p.47)
“Trabalha-se o que é específico à alfabetização, quando se ensinam
as relações entre fonemas e grafemas, mostrando
quais e quantas letras são necessárias para se escrever as palavras, quando se
apresenta a composição silábica, a separação de sílabas das palavras, a
segmentação das palavras dentro de um texto, a ortografia, aspectos referentes
à estrutura do texto, o uso de letras maiúsculas e minúsculas etc.” (p.47)
“Concluímos que alfabetização e letramento são realmente processos
distintos, mas que devem ser realizados concomitantemente, a fim de se
assegurar uma aprendizagem de qualidade, porém o processo de alfabetização, por
ser específico e convencional, precisa ser sistematicamente ensinado e,
portanto, merece esforço e dedicação especiais. A alfabetização diluída e
inconclusa no processo de letramento, como vem sendo feito, é inaceitável,
todavia os resultados das avaliações sobre leitura e interpretação de texto
demonstram, hoje, que, além da conduta exclusiva “construtivista”, não
conseguir alfabetizar representa incompetência também para letrar.” (p.48)
“A escrita se apresenta como um conjunto de habilidades adquiridas
no campo linguístico. Para que aconteça, é necessário relacionar as unidades de
sons da fala aos símbolos gráficos e, para complementar, é preciso ter a
habilidade de expressar as ideias sabendo organizá-las na língua escrita. A
escrita é a habilidade do sujeito em transcrever a fala, obedecendo a uma série
de características discursivas específicas da língua escrita, pois falamos de
um jeito e escrevemos de outro.” (p.49)
“A aprendizagem da escrita (codificação de sinais) é mais
complexa. Para ler, o aluno irá memorizar grafias diferentes e estabelecer a
correspondência entre qual grafia representa determinado som; entretanto, para
escrever (codificar), o esforço a ser empreendido é muito maior, pois tem-se
observado em salas, durante duas décadas após a divulgação da Psicogênese, o
aparecimento de outro problema quando, por exemplo, 90% dos alunos de uma
classe dominam o alfabeto, sua leitura e escrita, mas não sabem combinar
letras para compor palavras.” (p.51)
“Ferreiro e Teberosky defendem uma alfabetização ativa, baseada no
questionamento, de modo que, quando o aluno questionar o professor sobre a
maneira de escrever determinada palavra, ou quando grafar uma palavra usando
letras inadequadas, ou ainda faltando letras, que o professor não forneça a
resposta diretamente, mas devolva o questionamento, induzindo o indivíduo a
refletir sobre o objeto de conhecimento com o qual está trabalhando.” (p.52)
“Sabe-se que a correção é necessária e precisa ser feita na
presença do aluno, quando estiver atento ao que o professor mostra. Corrigir
pilhas de textos ou cadernos em casa, levar à escola e distribuí-los aos alunos
é perda de tempo, pois sozinhos irão ignorar as correções. Ainda que seja
obrigado a copiar seu texto, corrigindo os erros apontados pelo mestre, ele o
fará de modo mecânico, vendo televisão, pensando nos brinquedos e simplesmente
realizando a cópia sem refletir.” (p.52)
“Contudo, reprovar o aluno e mantê-lo por mais um ano no sistema
demanda recursos, de sorte que houve um momento em que a escola começou a ser
cada vez mais estimulada a não reprová-los. Em hipótese alguma se defende a
reprovação como solução do problema, mas sim que a escola deve oferecer
condições e ensinar, para que o aluno aprenda e não precise ser reprovado.
Isto é o correto, porém até o momento a escola não consegue fazer.” (p.53)
“Enfatizamos que não defendemos a silabação feita pela cartilha,
recitada em coros mecânicos, com a sequência tradicional das letras: a, e, i,
o, u, mas a apresentação da família silábica, e a cada apresentação,
dispondo-se em uma ordem diferente, para que o aluno não memorize a sequência,
mas compreenda que, no caso das sílabas simples, associando uma consoante a uma
vogal obtém-se a sílaba e que, unindo sílabas de modo organizado, compomos
palavras com significado. Ex: BA-BO-BE-BU-BI, alternando as sílabas e não as
excluindo.” (p.54)
“A pesquisa de Ferreiro e Teberosky tem como mérito, para a
alfabetização, a revelação dos níveis e das hipóteses que são elaboradas pelo
alfabetizando, em seu processo de construção e aquisição da escrita. A reação
lógica esperada do alfabetizador seria a de que, de posse desses conhecimentos,
compreendesse automaticamente a essência dos “erros” cometidos pelos alunos, e
o que é mais importante, soubesse como intervir no processo, para que o
sujeito avançasse. De modo que, se o aluno apresentasse amostras de escrita
próprias do nível pré-silábico, registrando desenhos ao invés de letras, por
exemplo, o professor desenvolveria atividades que fizessem esse aluno perceber
que está equivocado em sua hipótese e compreendesse a necessidade do uso de
letras, ao escrever.” (p.54)
“Se o aluno está no nível pré-silábico, há necessidade de
que seja estimulado a perceber que escrevemos com letras e, na sequência, que
seja levado a aprender com quais letras se escreve.” (p.55)
“Para escrever, o aluno precisará selecionar quais letras
utilizará (quais grafemas representam quais fonemas), quantas letras, qual a
ordem das letras, para que estas representem palavras com significado.” (p.55)
“Se o aluno estiver no nível silábico, grafando uma letra
para cada sílaba, deverá ser estimulado a perceber se a grafia utilizada
corresponde à representação do som desejado e, ainda, é necessário que seja
levado a entender que nem sempre uma ou duas letras são suficientes para
registrar corretamente determinada sílaba.” (p.55)
“Assim, nesse momento, será necessário mostrar a decomposição oral
e depois gráfica de palavras em sílabas. E não raro será necessário explicitar
a composição até mesmo da sílaba, mostrando que sílabas simples são compostas
por uma consoante e cinco letras que, normalmente, representam as vogais: a,
e, i, o, u.”(p.55)
“Tal apresentação de famílias silábicas precisa ser feita de modo
natural, sem forçar a pronúncia nem de sílabas prontas, nem de fonemas,
explicitando, por exemplo, que o nome desta letra é B, mas se eu escrevo a
letra I na sua frente, eu escrevo BI /bi/; que esta letra é o B, mas se apago o
I e escrevo A, torna-se BA /ba/, e assim, sucessivamente, conversando com
franqueza com o aluno, sem omitir nem fantasiar informações.”(p.55)
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